Segunda-feira, 19 de Agosto de 2013

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

História

 

O senhor do monóculo

usava uma boca desdenhosa

e na botoeira a insolência

duma rosa.

 

Era o poeta.

 

Quando passava

-figura subtil e correcta

toda a gente dizia

que era o poeta.

 

-Era, portanto, o poeta…

 

Mas um dia

o senhor do monóculo

quebrou o monóculo

guardou a boca desdenhosa,

e esqueceu na mesa de cabeceira

a flor que ponha na botoeira,

a insolente rosa…

 

Entrou nas tabernas e bebeu,

cingiu o corpo de prostitutas,

jogou aos dados e perdeu,

deu a mão aos operários,

beijou todos os calvários

-e aprendeu.

 

E o mundo,

Que o chamava poeta,

esqueceu;

e quando o via passar

limitava-se a exclamar:

-O vagabundo!

 

Mas o senhor do antigo monóculo,

da antiga figura subtil e correcta.

sentia vozes dentro de si,

vozes de júbilo que diziam:

-É o poeta! É o poeta!

 

Herberto Helder

 



publicado por BMFunchal às 13:05
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