POEMAS ZEN
Para poder caminhar através do infinito vazio
a vaca de aço deve transpirar.
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A verdade é como um tigre que tivesse muitos cornos,
Ou então como uma vaca a que faltasse o rabo.
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De tarde o galo anuncia a aurora,
Brilha o sol vivamente à meia-noite.
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As palavras não fazem o homem compreender,
É preciso fazer-se homem para entender as palavras.
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Se tirares água, pensarás que as montanhas se movem;
Se levantares o véu, verás a fuga das falésias.
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Cantam à meia-noite os galos de madeira,
E os cães de palha ladram para o céu límpido.
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Se acaso vires na rua um homem iluminado,
Não o abordes com palavras, não o abordes com silêncio.
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Conduz o teu cavalo sobre o fio de uma espada,
Oculta-te como puderes no meio das chamas.
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Há tantos anos vive o pássaro na gaiola
Que pode hoje voar por entre as nuvens.
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Quando o peixe se move, turvam-se as águas;
Quando o pássaro voa, uma pena.
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No fundo das montanhas está guardado um tesouro
para aquele que nunca o procurar.
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As colinas são azuis por elas mesmas;
Por elas mesmas, brancas são as nuvens.
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Sentada calmamente sem coisa alguma fazer,
Aparece a primavera, e cresce a erva.
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Os rochedos levantam-se no céu,
O fogo brilha no fundo das águas.
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Colhe flores, e as tuas vestes ficarão perfumadas;
Tira água, e a lua estará nas tuas mãos.
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O vento pára, as flores caem, um pássaro canta
- a montanha conserva o seu mistério.
HELDER, Herberto - Poesia toda. Lisboa: Assírio e Alvim, 1981. p.261-262