Minha terra revisitada II
“Outra vez te revejo,/ Cidade da minha infância pavorosamente perdida…/Cidade triste e alegre, outra vez sonho aqui…”
Lisbon Revisited - Álvaro de Campos
Outra vez, Funchal
eis-me aqui, aliciadas à tua luz
desenhada em teus contornos
mesclada às pedras de tuas ruas
cantando na voz da tua (minha) gente.
Estamos mais velhas
e a idade deixa-te mais bela
debaixo dessa luz lilás que muda, muda
ao entardecer desta tarde de quase Outono.
Esta luz, esta luz, esta luz
Feitiço, centopeia de mil patas
em minhas noites insones e febris.
estamos mais velhas, eu mais triste
(minha tez escureceu em climas tropicais…)
ramagem cobrindo muros da infância
Avara, mordo tua presença
pero verde, já sabendo a saudade
e sei que não há lógica neste amor
- os poetas são sempre ilógicos.
não se ama a própria mãe simplesmente por ser mãe
mas pelos símbolos que nos cravou
marca indelével de amor e posse.
Outra vez Funchal
a centelha arde e cintila
avermelhando as marcas e os signos.
A tua luz é teia que enleia
caleidoscópio enlouquecido
em cortejo de arco-íris.
E vejo-me outra vez
a correr entre papoulas e trigais
Saloia sem bandeira nem divino
fascínio, de sangue e ouro.
Eis-me aqui, como Pessoa
sonhando outra vez…
VERAS, Dalila Teles – Madeira: do vinho à saudade. Funchal: José António Gonçalves, 1989. p.14.