Quarta-feira, 14 de Março de 2007

O faroleiro

 

Apenas este ilhéu é que é pequeno

O resto é tudo grande: o tédio, a vida,

O dia enorme, a noite mais comprida,

E o mar, calmo ou feroz, rude ou sereno;

 

O tempo, esse narcótico veneno,

A dor, essa letárgica bebida,

O desejo, essa voz enrouquecida,

E a saudade, o distante e branco aceno.

 

Tudo profundo, imenso, na amplidão,

Eterno quási na desolação

E sobrenatural na solidão.

 

A luz vermelha a reflectir-se além…

Nenhum vapor que vai, nenhum que vem…

Farol e faroleiro – e mais ninguém.

 

 

Aos cativos

 

Vós outros, que sois cativos,

Grilos dentro de gaiola;

Aves, que andastes à solta,

E vos prenderam à argola;

Peixes nalguma redoma,

Muito mais mortos que vivos, -

Ouvi:

Maior prisão é cá dentro.

 

 

Vós outros, que sois cativos,

Com ferrolhos pelas portas,

E chaves de muitas voltas,

Medonhas grades por fora,
E luz, por dentro, tão pouca,

E antes mortos do que vivos, -

Ouvi:

Preso está quem anda à solta.

 

Mas seja assim, muito embora,

Vós outros, que sois cativos,

Minh’ alma não vos ignora

Nesta prisão de aqui fora,

Onde é noite a toda a hora,

E, condenados, os vivos

Parecem mortos agora; -

Ouvi:

O tempo tudo melhora

 

NASCIMENTO, Cabral do – Cancioneiro. Lisboa: Edições Gama, 1943. P.61-62, 107-108.



publicado por BMFunchal às 20:35
Adorei as VERDADES do segundo poema!!!!
Carlos a 14 de Março de 2007 às 23:27

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