Júlio Dinis (1839-1871), pseudónimo de Joaquim Guilherme Gomes Coelho. Esteve na Madeira três vezes entre 1869-1871.
Estátua da autoria de Ricardo Velosa (1996).
Casa onde morou Júlio Dinis.
Excerto de uma carta escrita a José Pedro da Costa Basto aquando da sua segunda visita.
Ó Funchal! Que tristes dramas se têm passado à luz do teu sol benéfico! Que lustrosos desenlaces de tantas histórias de paixões! Que de lágrimas ardentes caídas no teu solo sequioso, que se apresse a escondê-las discreto! E à sombra das tuas árvores quantas fontes escaldando de febre vergaram sob o peso da cruel melancolia!
Ilusões desvanecidas, esperanças desfolhadas, sonhos de amor, de glória, de felicidade, dos quais se desperta à beira do túmulo, tudo tens presenciado, ó humanitária cidade! E debaixo dos cedros e ciprestes dos teus cemitérios dormem o último sono muitos mártires, sem que as lágrimas dos que os amaram lhes caiam na campa como tributo.
Daí vem a simpatia e tristeza que inspiras. As tuas virtudes como irmã de caridade que consagra os dias ao cumprimento de uma missão cristianíssima, brilham entre cenas e espectáculos de desolação e de dor.
Este carácter da cidade avulta aos primeiros passos dados no interior dela. O viajante cruza-se a cada momento com certas figuras pálidas, emaciadas, pensativas, marchando lentamente, ou transportadas em redes, encontra-as nos assentos dos passeios em ociosa meditação, ou fitando melancolicamente as ondas que se sucedem na praia; são ingleses cadavéricos, alemães diáfanos, portugueses descarnados, brasileiros, norte-americanos, russos; são velhos, adultos, crianças, vaporosas belezas femininas de toda a parte do mundo, todos a convencer-nos de que estamos na cittá dolente, mas no pórtico desta não se lê gravado o dístico desesperador que o poeta inscreveu no da região das tormentas eternas. Pelo contrário, à entrada aqui revestem-se de esperança os próprios condenados.
Para que a Madeira nos sorria, para que nos apareça formosa como a descreve o poeta inglês e fragrante como uma verdadeira flor do Oceano, é necessário sair do recinto da cidade, procurar as freguesias rurais, subir as íngremes ladeiras que costeiam os picos e espraiar então a vista pelos formosíssimos vales que vão descobrindo o seio fecundidíssimo aos nossos olhos. (…)
Júlio Dinis
Funchal: Roteiro histórico turístico da cidade. Funchal: Câmara Municipal do Funchal, 2004. p.175-176