Segunda-feira, 19 de Novembro de 2007


Funchal do alto mar e de altos montes

Cidade-Azul que evocas a Suiça,

E onde à beira dos lagos e das fontes

Há lírios cor de neve e dizer missa.

 

Cidade aonde há sempre sol doirado,

Mas sempre triste de me ver chorar,

E onde passeiam, a cumprir o fado,

Tuberculosos pela beira-mar.

 

A tua beleza é toda meiga e suave

- Um ar de pomba, um ar temente a Deus –

O que me faz supor-te uma alma de ave,

Sem pecados mortais, irmãos dos meus.

 

Ao meu amor mereceste mil desvelos,

Ó, - do Bardo Escocês, - Dama do Lago!

Poiso, de etérea paz, com três Castelos:

Três ironias junto de um afago.

 

Pico das Frias levá-lo à cabeça,

São Tiago e Ilhéu formam-te os seios:

Mas o teu corpo é como uma promessa,

Canhões em ti para soltar enleios.

 

Bocas de fogo são: as tuas fontes,

As tuas noites de astros sobre o mar,

As tuas moças de morenas fontes,

O teu amante Oceano e o teu luar;

 

Os teus cabelos – pinheirais sombrios, -

Os teus dentes, - as casas cor de neve –

E a tua alma, - os campanários pios –

Tua água, - a tinta com que Deus escreve. –

 

Molha-te o mar a fímbria da túnica;

Coroam-te a o alto os pinheirais da serra;

Cidade! És grande, e para mim, a única

Que eu posso amar e querer em toda a Terra!

 

Eis o que o sol do alto mar avista,

Sem ver, tuas misérias e vaidades,

Ó mais bela de todas as cidades!

Perto  do coração, longe da vista.

 

 

GOUVEIA, João – Atlante: tragédia de alma. Lisboa: Antiga Casa Bertrand, 1903. p.35-36



publicado por BMFunchal às 21:04
Quinta-feira, 15 de Novembro de 2007

“Maria e a Estrela do Mar” é o novo livro infantil de Maria Aurora Carvalho Homem. Foi lançado no dia 13 de Novembro e é editado pela “Sete Dias, Seis noites”.

Este livro tem como personagem principal a sua neta Maria Luís, que, curiosamente, lhe havia pedido como prenda de aniversário “uma história comigo lá dentro”.

Poderá ler-se na contracapa:

 

“Maria e a Estrela do Mar é a estória de ternura de uma menina que se interroga sobre as diferenças entre as estrelas do céu e as estrelas do mar. Viagem de descoberta, que percorre as areias doiradas da Ilha do Porto Santo, entrando num sonho da protagonista e recuperando uma velha lenda”.

 

O livro é ilustrado por Abigail Ascenso e é o primeiro volume de uma série de aventuras passadas no Porto Santo.

Maria Aurora informou que se encontra a escrever uma história do Funchal para crianças e que futuramente será editada dentro das comemorações dos 500 anos do Funchal.



publicado por BMFunchal às 18:03
Quarta-feira, 07 de Novembro de 2007

“Entre a Ponte Nova e a do Torreão, sobre a Ribeira de Santa Luzia ficava o “vapor”, essa habitação única que era um bairro em miniatura, uma república de lavadeiras presidida por uma velha vesga que sabia a vida de toda a gente, tanta roupa tinha já lavado.

Não que ela tivesse encargos sobre aquela irmandade, mas como uma abelha-mestra, tinham-lhe um certo respeito as outras vespas que na sua presença se abstinham um pouco de pregar brutal ferroada no crédito alheio. Mas, estava-lhes na massa do sangue a divisa da classe: ensaboar a roupa suja.

Quem mandou fazer aquela edificação esguia de tabuado, escorado de margem a margem da ribeira, nunca se nos deu de o saber, mas talvez começasse por servir de ponte, antes de ser armada a colmeia com o seu corredor muito estreito ao centro, tendo dos lados as pequenas células independentes com vista para montante e para a foz.

A cor vermelha com que foi pintado dava-lhe um aspecto de casco de navio e, ou fosse por esta razão ou pelo seu formato esguio, o certo é que todos conheciam a habitação tão singular pelo nome de “vapor”.

Que enormidade de coisas se arrumavam ali a dentro: uma cama velha, um baú ou caixa de pinho, uma cadeira sem costas ou de uma perna a menos, um Santo Antoninho de barro, ervas bentas pelas paredes, estampas encardidas, guitas cruzadas para dependurar roupa, um fogareiro de pedra, um tacho de folha, um cesto barreleiro, uma vassoura de palma, uma celha com água de anil, e mais.

A lavadeira é uma mulher fecunda. Tinham ali uma média de cinco filhos. Os mais pequenos em fralda, muito sujos, sempre a choramingar, os maiorinhos, já de calças, mas rotas, com um cordel traçado a servir de suspensórios, não desmereciam no fraseado das suas progenitoras.

Por baixo do “vapor” havia no verão uma represa feita na ribeira com os calhaus do leito cimentados a barro, leivas e ervas raizentes dos charcos, onde se empoçava a água, que solta da comporta todas as semanas, varria para juzante as imundices acumuladas no leito.

Era este açude o gáudio do rapazio. Naquela água turva do sabão, escoada das lavagens, cheia de bolhas, grossas que rebentavam só de encontro às margens, medravam eirós verde-negros, sacudindo o rabo como serpentes de água.

Faziam pesca deles, os rapazes, com um alfinete torto em forma de anzol, levando como isca uma minhoca que se debatia no suplício, atravessada de meio a meio.

Às vezes havia regatas de celhas, sentados os garotos ao fundo delas com os pés cruzados, servindo-se das mãos bem espalmadas para remar. Se acaso abalroavam as embarcações, metendo água dentro, não havia perigo, porque eram como peixes a nadar, saindo depois dali molhados, quais pintos ao sair da casca, e o menos que os esperava era uma sova de sapato, enquanto a roupa despida enxugava ao sol.

Foi demolido o “Vapor” que ameaçava ruína, desconjuntado e tremente ao marulho das enxurradas de Inverno.

Lavada em lágrimas vem a ribeira, mais lavado de ares ficou talvez o recanto, sem as lavadeiras.

Foi-se o “vapor” como um vapor de água que se perde, e como não figura nas estatísticas do porto, recordação, a vapor assim narrada.”

 

 SARMENTO, Alberto Artur – O Vapor. Das Artes e da História da Madeira. Vol. 4, Nº 23, 1956. P.9-10

Imagem retirada de CALDEIRA, Abel Marques - O Funchal no primeiro quartel do século XX. 2ª ed. Funchal:Eco do Funchal,1995.



publicado por BMFunchal às 22:44
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