Quarta-feira, 31 de Outubro de 2007

 A 1 de Novembro, andam também ligadas tradições muito antigas de carácter e observância locais para que o sentimento e a religiosidade se dão as mãos. Uma é a do Pão-por-Deus, o pão ou o bolo de esmola que antigamente se dava aos pobres neste dia, em sufrágio das almas dos defuntos, e que no decorrer do tempo se transformou em dádiva de frutos e doces às crianças e num banquete familiar de frutas secas e serôdias. As crianças amanhecem de saquitel ao pescoço, que os pais, parentes e amigos recheiam de gulodices e fruta, merenda ininterrupta de todo esse dia; pobres e ricos visitam de manhã cedo a exposição de fruta no mercado público do Funchal para aquisição de castanhas, nozes, laranjas e maçãs; os camponeses comem e distribuem por amigos e parentes uvas e figos passados. Esta tradição enraíza no ritual milenário dos Vedas ainda em uso no Piemonte e noutros países fora da Itália com modalidades novas.

Entre os Vedas praticava-se este rito a 2 de Novembro com distribuição de legumes de cultura aérea, nomeadamente feijões distribuídos aos pobres com o fim expresso de sufragarem as almas dos defuntos familiares dos seus generosos benfeitores.

Instituída a Festa de Todos-Os- Santos pela Igreja Católica, os cristãos supriram o mito pagão, tirando das hastes dos feijoeiros e doutros legumes, como símbolo de elevação para o reino dos mortos e substituíram-no por ofendas de pão, dádiva com que Jesus alimentou no alto da montanha uma multidão de fieis  e praticou o milagre de multiplicação dos pães por amor de Deus. Nas Beiras, Trás-os-Montes e no Minho guarda-se ainda o costume de distribuir comedoria aos pobres pelas almas dos seus parentes. Em França, as crianças praticavam outrora dos ritos funerários pedindo pelos mortos, durante o ofício tradicional da noite de 1 para 2 de Novembro. Em Coimbra as crianças pedem igualmente de porta em porta, no dia da Comemoração dos Fiéis Defuntos.

Mas à trade, ao primeiro

 dobre dos finados, anunciador do dia 2 de Novembro consagrado às almas, o povo dos nossos campos, esquecendo a alegria de Pão-por-Seus, recolhe-se de portas a dentro para rezar pelos seus defuntos. Da vida de festa, passa-se a uma quase vida de nojo, em que se não praticam diversões, e o silêncio, a saudade e a tristeza descem sobre os casais e os corações. Na cidade, uma romagem contínua vai ao cemitério depor flores e orar sobre as campas e covais dos seus mortos.

No Dia de Finados ou das Almas traja-se geralmente de preto e não há família que se não faça representar numa das missas desse dia por intenção e sufrágio dos seus defuntos. Os pobres esmolam em chusma às portas dos templos e dos cemitérios, porque, então, é mais esmoler o povo e mais generosa a esmola.”

 

 

PEREIRA, Eduardo C.N. – Ilhas de Zargo. Funchal: Câmara Municipal do Funchal, 1989. p.528-529.



publicado por BMFunchal às 09:57
Terça-feira, 30 de Outubro de 2007

Folheando a obra O Funchal no primeiro quartel do Século XX, deparamo-nos com um artigo curioso que aqui transcrevemos.

Tipos populares madeirenses

 

“ Entre 1900 e 1925, viveram no Funchal, vários tipos populares, entre eles os seguintes:

 

“Adelaidinha” – Mulher muito cumprimentadeira faladora e serviçal, defeituosa duma perna. Vivia da generosidade pública.

“Conca” – pessoa muito conhecida pela sua popularidade, praticante de actos que provocaram riso nos transeuntes. Permanecia em diversos locais com mais frequência no Largo de São Pedro, onde se abastecia de água no fontanário daquela artéria.

“Germana” – Percorre uma grande parte da sua vida com a cara vendada com um tecido negro, por motivos de amor. Nos últimos anos da sua existência viveu da generosidade pública, tendo falecido numa casa de caridade, onde se achava internada.

“Roberto” – Indivíduo muito conhecido pelas constantes e estridentes gargalhadas, que dava a troco duma moeda de vintém.

Empregava-se na distribuição de água em potes, recipientes de barro muito usado no serviço doméstico.

O “Roberto” servia-se de água do antigo chafariz no largo do mesmo nome que mais tarde foi substituído por um fontanário no Beco de São Sebastião e das Fontes de João Dinis.

“João p’ra Rua” – pessoa que se irritava frequentemente quando lhe dirigiam cumprimentos, chegando a proferir palavras obscenas.

Empregava-se também no transporte de água para diversos estabelecimentos e outros serviços corriqueiros.

“Papa-a-béca” – Indivíduo que era convidado para efectuar cerimónias aos santos populares, no bairro de Santa Maria.

Era grande animador dos novenários de Santo António, São João e São Pedro, que se realizavam em casas particulares, proferindo vários sermões.

“Dona Maria” – Senhora demente, que percorria várias casas abastadas, pedindo artigos de vestuário.

Apresentava-se decentemente vestida, trajando chapéu, luvas e carteira.

Desfazia-se em cumprimentos e conversa com crianças, dando-lhes “bons conselhos”.

Faleceu depois numa casa de caridade.

“Mestre José do Monte” – Passou parte da sua vida com os cabelos compridos, aconselhando a toda a gente que não os cortasse.

Fazia discursos publicamente.

Era natural da freguesia do Monte.

“Padre João” – Indivíduo anormal que se empregava na venda de lotarias.

Muito conservador fazia-se passar por pessoa bem sabedora e inteligente.

“ A Venena” – Mulher de vícios alcoólicos. Tornou-se pedinte para entregar-se melhor a esse vício. Uma vez embriagada provocava escândalos na via pública.

A sua bebida predilecta era aguardente e, segundo se notava, preferia da “amarelinha”.

Morreu devido aos efeitos desastrosos do álcool.

“ A Camarada” – percorria as freguesias suburbanas em passo militar e munido duma espingarda que não disparava.

“O João” – Indivíduo anormal. Era frequente vê-lo nas igrejas sentado com um volumoso livro de missa.

Apesar de analfabeto ia “lendo” o livro no decorrer de cerimónia.

Trajava de calça curta e de camisa comprida mantendo uma farta cabeleira.

Quando fingiam arrebatar-lhe o livro das mãos ou um pequeno bordão que trazia debaixo dos braços, saia-lhe logo dos lábios um grito ronco, que algumas vezes atemorizava as crianças.

A igreja que mais frequentada era a Sé Catedral.

“Josezinho” …pum…pum.

A troco duma moeda ou dum cigarro “Josezinho”, assim era o seu alcunha, obedecendo às ordens que lhe davam na via pública fazia o submarino a disparar fogo em altas vozes: pum…pum…pum.

Na ocasião em que dele fazemos referência, “Joãozinho” é vivo, ainda, e está internado no Asilo dos Velhinhos.

“Pedrada” – “Músico” excêntrico, organizador dum grupo de tocadores conhecidos pela “Música do Pedrada”. Era constituído apenas por dois tocadores, sendo um o “Pedrada” e outro um seu amigo predilecto que todos os dias se reunia para percorrer algumas ruas da cidade e se dirigir aos arraiais em boa “harmonia”.

Os instrumentos usados por esse pequeno elenco musical eram uma rabeca e um simples machete, sujeitos muitas vezes a uma irritante desafinação.

Quando os tocadores se travavam de razões terminavam por se entenderem depois, amigavelmente, executando o “Hino da Sociedade”.

“Creca das Fontes” – Era um indivíduo que prestava serviços eventuais nas Fontes de João Dinis e que se popularizou pela sua careca e maneira rudes como se apresentava em público.”

 

 

CALDEIRA, Abel Marques – O Funchal no primeiro quartel do século XX. 2ª ed. Funchal: Eco do Funchal, 1995.p.170-173.

 



publicado por BMFunchal às 13:59
Quinta-feira, 25 de Outubro de 2007

Tal como havíamos informado no comentário ao post sobre Ernesto Leal, o último número da revista Margem é inteiramente dedicado ao escritor.

Este número, editado pela Câmara Municipal do Funchal e coordenado por António Fournier, é uma homenagem póstuma. Como afirma o referido coordenado na nota de abertura: “Leais a Leal”:

 

“ (…) Desta vez, porém, ainda que se trate de novo de um encontro falhado, porque não foi possível fazer-lhe esta homenagem em vida, não foi preciso Ernesto dar um passo. Viemos todos ao seu encontro. E vieram tantos e dos mais variados quadrantes. Fez-se tudo por ele, pare ele. Era um dever dá-lo a conhecer de uma forma mais ampla e articulada, porque como Ernesto escreveu uma vez, “o mundo muda por cada homem que morre” e, desculpe-se a aparente banalidade, o mundo mudou de facto com o seu desaparecimento. O pouco que restava do século XX morreu definitivamente com ele.”



publicado por BMFunchal às 23:47
Terça-feira, 23 de Outubro de 2007

Nasceu na Quinta das Tílias, Monte, a 16 de Agosto de 1906. Filho de Alberto Figueira Jardim e de Maria Antonieta Crawford do Nascimento.

Tirou o curso do Liceu Jaime Moniz, 7º ano de letras.

Com o intuito de aperfeiçoar os seus conhecimentos da língua inglesa, frequentou a Pitman’s School de Londres onde tirou um curso de Comércio.

De volta à Madeira, exerceu funções de chefe de escritório na firma Madeira Wine Association.

Tem o diploma de tradutor público das línguas inglesas e francesas concedido pela Câmara Municipal do Funchal.

Casou com Cecília Leitão de Branco e Brito Jardim de quem teve dois filhos: Luís Manuel Branco e Brito Jardim e Teresa Maria Branco e Brito Jardim.

Morou na rua Mãe dos Homens, nº 11.

Faleceu a 9 de Fevereiro de 1990 e foi sepultado no Cemitério de Nossa Senhora das Angústias em São Martinho, Funchal.

 

 

Bibliografia:

 

Fala um Acarlão: crónicas ligeiras. Funchal: Eco do Funchal, 1942. (Publicado com o pseudónimo de Ricardo de Pontevér)

 

A Ponte Sobre o rio. Funchal: s.n., 1942.

 

Saias de Balão: na Ilha da Madeira: romance. [Funchal]: Câmara Municipal do Funchal, 1946 (Prémio do Concurso Literário de 1945 da Câmara Municipal do Funchal) Ler entrevista  (PDF 1,26 Mb)

 

Sino rachado: romance. Funchal: Editorial Eco do Funchal, 1953.

 

Fantoches e fantasmas: contos. S.l: Edição do autor, 1987. Ler O sexto sentido  (PDF 1,52 MB)

 

Diário de Notícias, 10 Fevereiro 1990, p.24

Diário de Notícias, 13 Fevereiro 1990, p.7

CLODE, Luís Peter – Registo Bio-bibliográfico de madeirenses: sécs XIX e XX. Funchal: Caixa Económica do Funchal, 1989. p.269



publicado por BMFunchal às 19:28
Quinta-feira, 04 de Outubro de 2007

Funchal, Bela Vista Hotel – 4 d’Abril

Maria leu-te a minha carta. E dizes-me que ficaste muito satisfeita porque dela depreendeste que a linda Madeira estava ainda como há anos a deixaste. O que escrevia eu a Maria? Lembro-me que celebrei a nossa radiosa paisagem, o perfume, a frescura das nossas flores, a mansidão dos nossos costumes, a nossa confortável indiferença em matéria política e talvez aquele superior não te rales, deixa andar, corra o marfim…

Se acrescentei que, nesta terra, nada tinha mudado, que nos conservávamos livre dos vandalismos do progresso…Ah! Margarida, não foi então da Madeira que eu escrevi, mas daquele doirado país da Ilusão, onde, por vezes, habito. Porque infelizmente está bastante mudada, bastante…adiantada, a nossa ilha. Quando aqui vieste, já as redes, as pitorescas redes, que tanto te divertiam, andavam um pouco fora de moda, mas eram ainda os confortáveis, simpáticos, amorosos (como lhe chamavas) carrinhos de bois, que ao som daquela arrastada cantilena: - Cá para mim, boisinho para mim! Cá para mim Muriano! Para mim Bonito! (Bonaito) – nos levavam aos jantares da condessa de Ribeiro Leal, aos bridges de Mrs Blandy…Ia-se em passo pachorrento. Muriano e Bonito sempre ignoraram a odiosa azafama, a vulgar pressa. E, antes de uma pessoa se levantar nas doidas valsas ou nos febris sans-atous, tinha tempo de sobra para dormir uma dessas deliciosas sonecas, tão reparadoras do sistema nervoso.

Agora há os banais automóveis e os side-cars horrendos que atroam a cidade com os seus esganiçados assobios. Não se dobra uma esquina sem perigo de vida. Não se atravessa a dantes tão quieta, silenciosa e…de todo o repouso ruas das Aranhas sem o Credo na boca!

As minhas amigas, muito estrangeiradas, muito modernas, adoptaram logo, com entusiasmo, este novo meio de locomoção…Mary B. – aquela loira tão fina, tão bonita, que achavas parecida com o retrato da duquesa de Devonshire e fazia o teu encanto, quando passava no seu carro, negligentemente encostada às almofadas de cretone azul pervinca, cor dos seus olhos – tornou-se uma…um desembaraçado, emérito chauffeur. Vestida de sarja escura, o cabelo escondido sob o véu cinzento, enormes luvas de carmuça, deformando-lhe as esguias mãos, vemo-la constantemente no árduo trabalho de consertar um pneumático…

Do automóvel surgiram as primeiras discussões no simpático ménage dos J. Marido e mulher guiam. O marido pretende dar conselhos à mulher, que, por sua vez, já se vê, dá sota aos maridos. Daí um constante:"dize tu, direi eu…"

Daisy – a inglesa com um ar muito garoto, muito arrapazado, que usava monóculo, lembras-te? – está inconsolável. Por causa da sua vista curta – e nós a pensarmos que o monóculo era de vidraça, muitos juízos temerários se fazem neste mundo! – recusaram-lhe a carta de chauffeur…Isn’t it dreadful?

- Então já não se vê um carrinho, um amoroso carrinho?!...

Ainda se vê, mas…ai deles! Foi também vítima dessa doença da pressa, que, após ter invadido o mundo chegou á calma Madeira. Já ninguém quer andar…a passo de boi. Duas possantes mulas substituíram o doce Muriano, o manso Bonito…

Passando a outra espécie de…melhoramentos: Não esqueceste, decerto, aquele velho passeio da Constituição, onde se festejavam com música e iluminações de vidrinhos de cores, todas as nossas datas gloriosas e á sombra de cujas lindas, frondosas árvores, era moda sentarem-se as elegantes do bom velho tempo…Pois o fino gosto dos nossos governantes não pôde suportar velharia tão inútil, incómoda, atravancadora e, ainda por cima, atentatória do regime …Árvores que ouviram o hino da carta, onde, porventura tremularam bandeiras azuis e brancas, são árvores suspeitas, criminosas. E as grandes figueiras da Índia e as nobres magnólias tiveram o destino de tudo o que, no nosso país, é grande e nobre…Caíram assassinadas. Defronte da velha Sé escancara-se agora uma larga avenida, género modernismo, género grande cidade! – Estás a ver como diz bem com o resto… - A pobre igreja tem o ar arrepiado, envergonhado de alguém que os malfeitores deixaram nu em plena rua...

Outras coisas se fizeram, outras mais extraordinárias ainda se farão…A colossal avenida que, por ora, graças a Deus, chega apenas ao Jardim Novo, deve prolongar-se triunfalmente por S. Lázaro fora… Grandiosos são os projectos!...Oh, e quando se trata de embelezar, os nossos governantes não olham a despesas! Do antigo Funchal, dentro em pouco, não restará uma pedra. Moinhos das Mercês, Convento das Capuchas, beco das Algas, que a doce capelinha guardava e protegia, beco das Cruzes, sombrio entre os altos muros floridos de bougainville, velhas quintas, velhas, discretas casas, cantos misteriosos onde morava o silêncio, quebrado apenas pelo chorar das fontes, tudo enfim, que conservava ainda um pouco de pitoresco, um pouco de poesia, o que emprestava ao banal presente o mágico encanto do passado, durará apenas, no domínio da nossa saudade, o breve tempo que nos durará.

 

 

Luzia - Cartas do Campo e da Cidade. Lisboa: Portugália, 1923. p.157-160

 



publicado por BMFunchal às 21:36
mais sobre mim
Outubro 2007
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3
4
5
6

7
8
9
10
11
12
13

14
15
16
17
18
19
20

21
22
24
26
27

28
29


links
pesquisar neste blog
 
subscrever feeds