Funchal do alto mar e de altos montes
Cidade-Azul que evocas a Suiça,
E onde à beira dos lagos e das fontes
Há lírios cor de neve e dizer missa.
Cidade aonde há sempre sol doirado,
Mas sempre triste de me ver chorar,
E onde passeiam, a cumprir o fado,
Tuberculosos pela beira-mar.
A tua beleza é toda meiga e suave
- Um ar de pomba, um ar temente a Deus –
O que me faz supor-te uma alma de ave,
Sem pecados mortais, irmãos dos meus.
Ao meu amor mereceste mil desvelos,
Ó, - do Bardo Escocês, - Dama do Lago!
Poiso, de etérea paz, com três Castelos:
Três ironias junto de um afago.
Pico das Frias levá-lo à cabeça,
São Tiago e Ilhéu formam-te os seios:
Mas o teu corpo é como uma promessa,
Canhões em ti para soltar enleios.
Bocas de fogo são: as tuas fontes,
As tuas noites de astros sobre o mar,
As tuas moças de morenas fontes,
O teu amante Oceano e o teu luar;
Os teus cabelos – pinheirais sombrios, -
Os teus dentes, - as casas cor de neve –
E a tua alma, - os campanários pios –
Tua água, - a tinta com que Deus escreve. –
Molha-te o mar a fímbria da túnica;
Coroam-te a o alto os pinheirais da serra;
Cidade! És grande, e para mim, a única
Que eu posso amar e querer em toda a Terra!
Eis o que o sol do alto mar avista,
Sem ver, tuas misérias e vaidades,
Ó mais bela de todas as cidades!
Perto do coração, longe da vista.
GOUVEIA, João – Atlante: tragédia de alma. Lisboa: Antiga Casa Bertrand, 1903. p.35-36